A Anti-Matéria

 

Quando nada de especial acontece

Por Marcelo Pedrosa

 

    O jornalista vive de procurar algum fato que mereça ser publicado e virar matéria de jornal, mas para isso ele não pode ser corriqueiro. Também chamado de pauta, é ele que define se há matéria a ser escrita ou não, pois se é de interesse público, inusitado ou capaz de prender a atenção do leitor, então ele vira notícia no jornal. Mas e quando não há assunto, não há pauta, nada de especial aconteceu? Seria a anti-matéria jornalística? Resolvemos investigar e constatamos que às vezes as matérias, por falta de fatos novos, respondem algo irrelevante sobre um assunto desinteressante porque não aconteceu nada de admirável que merecesse virar notícia. “Até agora nada e vira essa boca pra lá”, quase que suplica Vinicius Heraldo, 34, repórter plantonista da Folha de São Paulo quando perguntado se tinha acontecido algo digno de virar notícia num domingo frio e parado na capital paulista. Como relatado por ele, nada de anormal ocorreu naquela tarde, daí concluo que a pressa com que o jornalista me atendeu é o comum do dia-a-dia. Se nada achei que fosse digno de estampar as páginas dos jornais ou pelo menos virar uma notinha na internet e o papel do jornalista é procurar pela notícia sem descanso, não desisti e perguntei então ao atendente de padaria Vicente Paula da Silva, 39, se ele havia visto ou ouvido falar algo de especial naquele dia para, quem sabe, conseguir um furo de reportagem, ao que ele retrucou: ”Não, o dia hoje foi normal né!”. Fato inusitado que pudesse virar notícia, nada! Um dia normal para Vicente inclui “vir trabalhar, ganhar o pão de cada dia e ir embora na paz de Deus”.

    Como coisa nenhuma que pudesse virar uma matéria de verdade me ocorreu, resolvi esperar pela quarta-feira, dia útil, e apelar para o mercado financeiro. Todos sabem que os índices e as cotações sobem e descem ao sabor das notícias, novidades que alguns dias e lucros (ou prejuízos) depois vão para as páginas dos jornais. “Nos últimos dias não teve nenhuma que desse uma mudança significativa”, observou Carlos Alberto Palmanhani, 56, operador da corretora Gradual Investimentos.  Ainda segundo ele, o “mercado tem se mantido estável”.

    Surpreso com a constatação que nada fora do normal tem acontecido nesses dias, só nos restou concluir: tem alguma coisa acontecendo!